Pular para o conteúdo principal

Sobre chicletes e biografias.




Hoje eu engoli um chiclete, engasguei e achei que fosse morrer.  O período decorrido entre o susto inicial e o alívio de me descobrir sã e salva não deve ter durado mais que 10 segundos, mas deu tempo de passar toda minha vida diante de mim, igualzinho aos filmes.  Agora, vejam vocês como o cérebro humano é capaz de percorrer caminhos tortuosos mesmo em situações limite. Sabem o que eu (ou meu ego, talvez) tive tempo de pensar nessa hora? “Putz, vou morrer e nem vou ter escrito minha biografia”.  Sério. Talvez seja mais comum o cidadão pensar num testamento, ou num seguro de vida para a família, eu pensei numa biografia. Na minha biografia, publicada, com capa em PB e título em fonte sans serif. Bom, daí que São Pedro viu que  tinham trocado a minha senha de chamada para o céu a tempo de corrigir o erro e eis-me aqui, vivinha da silva, linda, plena, lépida e faceira. 

Aí vocês podem pensar que foi um delírio causado pelo medo. Mas não foi, não, meus queridos inúmeros. Eu acho, realmente, que todo mundo eu, você, o frentista do posto, a professora da creche do seu filho, o cara da Bovespa e aquela sua vizinha do cabelo estranho. Todo mundo mesmo deveria escrever sua biografia.  Temos a mania de achar que uma biografia só é válida se o biografado teve uma vida  notável, feitos grandiosos, histórias trágicas ou absurdamente surpreendentes. Um biografado tem que ser um grande cara, ou uma grande mulher. Um artista, um estadista, ou alguém com uma história emocionante de superação.  Ok. Talvez para ser um best seller...  

Uma biografia nada mais é do que o relato escrito (grafia) de uma vida (bio) ou seja, vida todos nós temos e, se temos vida, temos histórias para contar. Histórias humanas, humanos que somos.  E digo mais, não precisamos ter apenas uma biografia! Deveríamos escrever uma aos 20, outra aos 40, outra aos 60, outra - com sorte - aos 80. Quem sabe - com muita sorte - a derradeira aos 100! Provavelmente descobriríamos que fomos muito mais que um numa única vida. Que vivemos muito mais vidas do que imaginávamos ter vivido.

Se eu fosse, hoje, escrever a minha biografia, eu não teria nada grandioso para contar. Não, nenhuma obra relevante para o meu país, nenhum exemplo de superação do tipo “lição de vida”, sem fama, sem fortuna, sem revolução...  O que eu ia contar então?

Que uma vez, na faculdade, fraturei o dedo do pé durante uma aula e, sem perceber, fui para o clube Massivo e passei a noite inteira dançando de salto alto, daí, no dia seguinte, ao invés de um dedo eu tinha uma berinjela lá, bem no meio do meu pé. Ou poderia contar também como – quando criança – gostava de abrir a porta do forno e brincar de banquinho da praça, até que um dia, um fogão de seis bocas com um monte de panelas quentes virou sobre mim e eu só não morri esmagada porque a gaveta da estufa se abriu e travou a peça a tempo da minha vó ouvir o barulho e vir me salvar.  Podia falar também sobre como, em Buenos Aires, um garçom muito mal educado disse para mim e para minha irmã que nós éramos obrigadas a comer o couvert do restaurante e a gente ficou se olhando sem entender nada. 

Ah, teve aquela vez que, apresentando um drama de Tchekov  no Macunaíma, uma parte do cenário desabou na cabeça de um dos atores e a plateia inteira caiu na gargalhada para desespero do elenco todo.  Contaria também que durante semanas troque mensagens sob uma “identidade secreta” com um cara que eu era afim no banco  mas, ao descobrir que a “Larissa” era eu, o sujeito meu deu um fora homérico.  Houve também aquela época em que eu, precisando de grana, fui trabalhar como promotora fazendo demonstração de anti-pulgas em pet shops mesmo tendo pavor de cachorro. Também poderia falar disso.  Sabem, todos estes momentos bobos, sem importância, não relevantes mas cujo conjunto nos fazem ser a gente? O pequeno drama.  A comédia do dia-a-dia. O romance ordinário. A quase invisível tragédia quotidiana.  O que faz a minha história, a sua, a do vizinho todas, enfim, tão dignas de registro quanto a de qualquer grande figura.  Daí a aparecer lá no balcão de destaques da Saraiva e na lista dos mais vendidos da Veja já é outra história. Calma, não se empolgue tanto.  

Bom, paro por aqui, vou fuçar mais meu baú de memórias para começar a escrever minha bio dos 30 e poucos. Se bobear já faço também o roteiro para a versão cinematográfica! Vai lá, tente fazer a sua também, aposto que no mínimo vai se divertir.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Isto não é um post

Queridos inúmeros. Isto não é um post formal.É só um desabafo que escrevo aqui para que vocês sejam testemunhas. Inúmeras testemunhas: Quero que um raio caia na minha cabeça e me tranforme num mico leão dourado vendido ilegalmente para uma família de esquimós sádicos se eu fizer isso de novo!! Obrigada pela atenção dispensada. Beijos a todos.

1997

Em junho de 1997 Jurassik Park estreava nos cinemas e Spielberg ficava um pouco mais rico, mesmo não estando em um de seus melhores momentos. No mês seguinte, a empregada doméstica Célia tinha seu segundo filho, sozinha, num minúsculo quartinho e,em seguinda, abandonava-o numa calçada, próximo ao lixo, sendo promovida desta forma a personagem de execração pública nacional. No futebol, Pelé tentava aprovar um pacote de medidas que, entre outras coisas, acabava com a lei do passe. O Rio de Janeiro se preparava para a visita do Papa João Paulo II. A atriz Vera Fischer perdia na justiça a guarda de seu filho com o também ator Felipe Camargo. José Saramago publicava Todos os Nomes, mais um na sua lista aparentemente infinita de ótimos livros. Enquanto tudo isto – e muito mais – acontecia, eu estava fazendo o quê? Quantos navios eu fiquei a ver passar em 1997? Dezenas, de certo. Talvez centenas. Fato é que, sei lá, me deram um boa noite Cinderela qualquer que me fez dormir acordada. Era époc...

THANK YOU

Ah, não posso encerrar o ano sem agradecer nominalmente aos meus principais leitores, aqueles que - dentre todos os meu inúmeros leitores, passam por aqui com frequência e deixam (às vezes) seus comentários. Fabinho Chiorino: mentor e colaborador de um dos blogs mais bacanas da net, o Haja Saco. Obrigada pelas dicas e críticas desde o começo do Água. Lélia Campos: amiga linda, inteligente e super culta e cabeça, autora do blog Um Certo Olhar, mata a gente de inveja de tantos livros que leu, tantos discos que ouviu... Ricardo Bárbaro: figurinha ímpar, músico, performer, futuro advogado, do Blog da Gentileza (para o qual me permitiu fazer algumas colaborações e até fez uma citação do meu "inúmeros", rs), faz tempo que não deixa um comment, mas sei que passa sempre por aqui. A vocês meu grande carinho e muito obrigada.