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Mostrando postagens com o rótulo LIRISMOS DE LULU

Carne

Carne. Carne viva. De tanto apanhar. De tanto esperar o próximo tapa, o próximo chute. Trêmula e quente. Viva.  Sempre a espera da próxima compressa de alívio temporário. Breve respiro. Antes do novo vergão. Vermelho. Viva. Nervos e pele. Sangue que segue correndo. Escorrendo. Quente como lágrima. Viva. C arne que grita. Por socorro ou fé. Duvida. E, ainda sim, grita. Carne sua. Sua? Viva.

Então, ela chorou.

Então ela chorou por dezessete horas seguidas. Chorou sozinha. Chorou no trabalho. E na rua. Adormeceu com os olhos inchados, mas menos que o coração. Que parecia não caber no peito, de tanto que apertava. Dormiu um sono agitado, quente, abafado, de sonhos que não conseguiu se lembrar. Então, acordou e percebeu que fossem quantas fossem as lágrimas que vertesse, não lavariam o acontecido. Percebeu que fossem quantos fossem os apelos feitos com o peito arfante, seriam em vão. Pois, assim como quando um não quer, dois não brigam, é igualmente verdade que quando um não quer, dois não podem amar.  Afeto não é migalha que se implore, é dádiva que vem da alma, se têm ou não se têm. Fazia sol e o calor já vibrava lá fora.  Ela se levantou, tomou um banho e se vestiu, de branco. E, com o mesmo cuidado com que penteou os cabelos claros, arrumou a dor numa caixinha. Guardou a caixinha num canto da alma, um que só ela conhece, e que de vez em quando tem de visitar. ...
Escondeu no bolso o que era ela. E para quê? De quem?  Escondeu para não ser vista, quando queria ser notada.  Contradição em si mesma, sem querer perder o que ainda nem tinha. Botou no bolso seu brilho e sua história porque não era a que queriam comprar.

Regra

Toda rosa é vermelha Toda sansei é Suzi Toda porcelana é branca Toda mulher é santa Todo mar é infinito Todo coração aflito Toda paixão é eterna Todo cristal quebra Todo cão é amigo Todo café com pão Toda amigo é certeza Todo jardim dá flor Todo escuro é medo Todo despertar é cedo Toda jóia é rara Toda fúria é cega Toda espera é trágica Toda noite é mágica Todo frio congela Todo tiro acerta Todo avô é João Toda tia Maria Toda queda é fatal Todo desejo animal Todo medo profundo Todo sonho absurdo Todo barco à deriva Toda pescador ao mar Toda estória sem fim Tudo em você tão longe Tudo em mim é amar

Eu sou uma farsa.

Eu sou mais pra normal, mas pareço mais pra estranha. Eu sou mais pra má, mas pareço mais pra boazinha. Eu sou mais pra irresponsável, mas pareço mais pra certinha. Eu sou mais pra egoísta, mas pareço mais pra altruísta. Eu sou mais pra rebelde, mas pareço mais pra conservadora. Eu pareço que mostro, mas na verdade escondo. Eu pareço que rio, mas na verdade choro. Eu pareço que sei, mas na verdade ignoro. Eu pareço que vou, mas na verdade fico. Eu pareço que digo, mas na verdade calo. Eu agarro quando quero soltar e liberto o que quero prender. Eu não tenho esta cara. Eu digo um texto que alguém escreveu. Eu faço um movimento ensaiado. Eu quero gritar e falo com voz macia. Eu sou rude com quem quero ser doce. Eu entrego o que esperam de mim. Faço valer o ingresso pelo qual pagaram.

Espera

Sentarei-me aqui neste banco. Ajeitarei meu vestidinho rosa com seus babadinhos e me sentarei como uma mocinha. E sentada, aqui neste banco, com meu vestidinho rosa de babadinhos impecáveis e laçarote branco no cabelo, esperarei. Esperarei serena e calmamente. E o vento vai soprar e vai emaranhar meus cabelos, bagunçar os babadinhos perfeitos do meu vestido, mas eu os ajeitarei uma vez mais, minuciosamente. O sol vai bater mais forte às vezes, mesmo estando este banco debaixo de uma árvore frondosa, mas não há problema, pois eu também trouxe o meu chapéu. Só não trouxe o meu relógio, pois ele se quebrou. Devia ter ouvido minha mãe quando me disse que não brincasse com ele... Porém isto também não importa, ficarei o tempo necessário. Aqui, sentada neste banco, embaixo desta árvore eu, sozinha, mamãe não veio, nem papai, nem meus irmãos ou qualquer um dos meus amigos, mas eu não tenho medo, afinal já sou grande e aprendi a não assustar-me por pouco nem chorar por qualquer coisa! Mas, se ...

Tudos e Nadas

Qualquer coisa que eu diga não conseguirá exprimir o quão grande é o tamanho da minha dúvida. Qualquer coisa que eu faça não será suficiente para disfarçar o meu desagrado. Nenhuma piada que eu ouça poderá ser mais engraçada do que o que há dentro da minha cabeça. Nem tão tola. Nem todo o esforço que eu fizer vai conseguir mudar o rumo do que está determinado. Nem toda a comida do mundo vai matar a minha fome. Nem todo o dinheiro pode comprar o que eu desejo. Nenhum universo será mais vasto que meu sonho. Nenhum planeta tão distante. Nenhuma rainha jamais terá tanta majestade. Nenhuma formiga será tão insignificante. Todas as palavras serão necessárias para descrever o que eu sinto e nenhum silêncio será suficiente para ouvir a sua profundidade. Nada me basta. Tudo me sobra. Agora, não amanhã.