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Desculpas a um estranho.

Ontem eu fiquei observando você no hall do cinema.   Um pouco depois do momento em que eu cheguei e fiquei chocada (e um tanto irritada) com as filas enormes, típicas de uma noite de feriado.    Estava lá, parada, tentando calcular mentalmente o tempo que levaria para chegar ao guichê e conseguir meus ingressos (uns 40, provavelmente) quando vi você, já com o seu em mãos. Andava para lá e para cá. Cabeça baixa. Costas curvadas como se sob um peso muito grande (do mundo, talvez?). Roupas muito folgadas, seguramente uns dois tamanhos maiores do que o seu. Sozinho. O tempo passava. As pessoas – muitas – passavam também para lá e para cá: casais apaixonados, famílias inteiras, turmas de adolescentes ruidosos carregando sacos de pipoca gigantes. Você parecia alheio a tudo. Circulava. De um lado a outro. Como se não visse, ou não quisesse ver, ou não quisesse ser visto por ninguém. Ou quisesse ser visto por todos. Ou por alguém... Sem saber você me distraiu da fil...

Ei! Você. Fica vai! Não vai embora, não.

Ei. Você. Psiu. Isso. Você mesmo. Não vai embora, não. Fica aqui comigo. Toma alguma coisa. Olha, pode pegar aquela almofada. Fica à vontade. Quer falar sobre o quê? Escolhe o assunto. Eu topo! Futebol. Novela. Política. Comida. Vida alheia. Topo até discutir religião. Não? Prefere jogar um baralhinho? Não sei. Mas você me ensina o básico e eu me viro. Quer um salgadinho? Prefere um doce? Faço um bolo pra você! Rapidinho. A gente toma com café. Tá friozinho. Gostoso. É, eu não estou podendo tomar café e é uma tortura sentir aquele cheirinho delicioso saindo da xícara fumegante. Mas tudo bem. Eu aguento. Faço qualquer coisa para você não ir embora e ficar aqui do meu ladinho. Topo qualquer coisa. Mas não me deixa aqui sozinha, não! Por favor. Por favor. Me faça a caridade de não me deixar sozinha comigo. Tá perigoso demais, hoje. Agora. Bem agora, neste momento em que todo o meu corpo físico e astral, todo o meu coração metafísico e muscular me pede para fazer aquela coisa que eu...