Ontem eu fiquei observando você
no hall do cinema. Um pouco depois do
momento em que eu cheguei e fiquei chocada (e um tanto irritada) com as filas
enormes, típicas de uma noite de feriado.
Estava lá, parada, tentando calcular mentalmente o tempo que levaria
para chegar ao guichê e conseguir meus ingressos (uns 40, provavelmente) quando
vi você, já com o seu em mãos. Andava para lá e para cá. Cabeça baixa. Costas
curvadas como se sob um peso muito grande (do mundo, talvez?). Roupas muito
folgadas, seguramente uns dois tamanhos maiores do que o seu. Sozinho. O tempo
passava. As pessoas – muitas – passavam também para lá e para cá: casais
apaixonados, famílias inteiras, turmas de adolescentes ruidosos carregando
sacos de pipoca gigantes. Você parecia alheio a tudo. Circulava. De um lado a
outro. Como se não visse, ou não quisesse ver, ou não quisesse ser visto por
ninguém. Ou quisesse ser visto por todos. Ou por alguém... Sem saber você me
distraiu da fila chata. Obrigada. Fiquei tentando criar uma história para você. Que filme iria ver?
Estaria esperando alguém? Mas o tempo passava. As sessões abriam. As pessoas
entravam. E você continuava andando de um lado a outro. Às vezes se aproximava
muito de um funcionário do cinema ou de um espectador que comprava seu ingresso
em uma das máquinas automáticas. Se
aproximava tanto que, por um instante, parecia que iria dizer a eles alguma
coisa. Mas não. Logo se afastava e voltava ao seu passo torto, meio sem rumo.
Tive que comentar sobre você com
minha mãe, teria ela também reparado “naquele moço sozinho, o de barba, que
fica andando para lá e para cá”? Não,
não havia notado. Mas a partir daquele instante passou a também a observá-lo.
Achou você muito estranho. Parecia ansioso. Ixi! Seria um daqueles que estão a
minutos de entrar numa sala de cinema lotada e atirar a esmo? Sim, a gente fez
esse tipo de comentário, um tanto jocoso, um tanto sério, já na fila da pipoca.
Me desculpe. Não houve nada nos noticiários. Todos saíram vivos do cinema ontem
a noite. Você não atirou em ninguém. Nem
sei se chegou a ver um filme. Entramos em nossa sessão e você ainda continuava
a andar pelo hall.
Seja como for. Sua história, que
eu não sei, me doeu um pouco. Porque você tinha o olhar perdido e parecia
sozinho daquele jeito irremediável ali, em meio aquela pequena multidão. Entre
os sacos de pipoca fumegantes, as mãos dadas, os beijos, a euforia das crianças
e a efusividade dos amigos, você não levantou a cabeça uma só vez. E eu não sei
se mais alguém o viu. Sabe. Sinceramente. Eu acho que não. E sinto muito por isso... Eu fiquei triste por você (mesmo sem saber se,
de fato, havia motivos para isso). E senti uma pontinha de medo. De ser eu, um
dia, a sozinha de olhar perdido no hall do cinema.
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