Neste domingo participei de uma ação num lar para idosos na cidade de São Caetano do Sul e, entre um zilhão de coisas que poderia destacar de positivo e de negativo nesta experiência, vou falar sobre algo que fez, faz ou fará parte da vida de todos nós: "doações". Vão entender o porque das aspas e do negrito.
Ficamos responsáveis por organizar um depósito de doações diversas que a entidade recebe, a fim de que tivessem condições de organizar um bazar com estas roupas, calçados e objetos. Esta triagem serve também para ver, dentre as coisas que ali estão, o que pode ser utilizado pelos idosos que lá residem.
Enquanto abríamos a infinidade de sacos e caixas que se acumulavam para organizar tudo ficávamos estarrecidos com o que víamos. Posso dizer que 60% das roupas e calçados doados não estavam, minimamente, em condições de serem usados por ninguém, nem com muita boa vontade. Peças manchadas, furadas, rasgadas, tortas, puídas, comidas por traças. Calçados com salto quebrado, solado deformado, rasgos no couro que nem o maior sapateiro do mundo poderia consertar.
E os objetos diversos?! Ah, estes são um capítulo a parte: iam desde uma tesoura de uma "perna" só à um boneco sem cabeça que mais parecia um vudú, passando por peneiras rasgadas e outros que tais.
Depois de horas e horas triando todo este entulho, uma sensação muito forte e incômoda ficou em todo o grupo, desconhecemos o verdadeiro significado da palavra doação. Em tese, doamos algo para ajudar alguém. Na prática - salvo raras a louváveis exceções - doamos para ajudar a nós mesmos.
Meu pai costuma dizer que "ninguém dá o que gosta" e acho que ele tem razão. Precisamos esvaziar um pouco nossos guarda-roupas, tirar o entulho da garagem? Opa, que tal doar para os pobres velhinhos?! Tão conveniente (para quem?). Que pretensão nos leva a crer que um sapato com um prego saliente que machuca nosso pé "serve" para o pé do idoso ou do favelado? Porque o boneco sem cabeça que já é lixo para meu filho deve ser aceito com um sorrido pela criança carente?
Arrumamos um monte de desculpas para nos deixar em paz com nossa própria consciência e justificar este tipo de coisa: "ah, mas eu adorava esta blusa, usei tanto!"; "nossa, este sapato é de couro, coisa boa, trouxe de Paris." Sim, mas não usa mais a blusa porque está podre, tampouco o sapato que, de tão deformado, não poderia calçar nem Frankenstein! Mas precisamos deitar nossa cabeça no travesseiro nos sentindo um pouquinho generosos...
Não sou nenhuma Madre Teresa de Calcutá, estou muito longe disto, não chego nem aos pés da minha mãe que é uma pessoa ativa, engajada e realmente generosa. Jamais tive coragem, porém, de doar algo estragado, manchado, furado. Coisas assim vão do meu guarda-roupa direto para o lixo. Achar que o outro ser humano é de segunda qualidade e pode usar o lixo que você não quer mais é uma indignidade.
Por favor, se leu isto até aqui e, por acaso, têm separada uma "sacolinha de coisas para dar", que tal dar uma segunda olhada? Não com o olhar de quem quer se livrar de um incômodo para liberar espaço para as coisas novas. Pense que alguém vai receber aquilo e, neste momento, pode se sentir grato, satisfeito, contente ou, ao contrário, humilhado, triste, um ser humano menor. Pensar que as pessoas, por estarem necessitadas, deixam de ter consciência e discernimento é uma atitude burra e petulante.
Se você quer doar, faça-o verdadeiramente, se quer só se livrar do entulho acumulado na sua casa, faça uma favor a todos: contrate uma caçamba!
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