Pular para o conteúdo principal

No escurinho do cinema com urubus a voar.

Começo este post com uma alerta que é, ao mesmo tempo, um mea culpa. Não prestarei aqui um serviço para quem pretende visitar a 29° Bienal de São Paulo, ou seja, não vou sugerir um roteiro de visitação às obras, tampouco mencionar seus nomes e, muito menos, seus autores. E isto não se deve a nenhum menosprezo da minha parte por este tipo de informação, mas por uma razão muito mais prosaica, eu, como visitante, submergi e me perdi na Bienal!
Assim sendo, vou apenas compartilhar com vocês minhas impressões sobre o evento que, espero, possam motivá-los de alguma forma a irem até o Parque do Ibirapuera e tirarem suas próprias conclusões.

Cheguei disposta a tomar algumas notas sobre obras e artistas, mas optei por não vestir a roupa de "crítica de arte" aí, já viram, deixei o bloco de anotações no guarda-volumes e mergulhei feito Alice através do espelho.
No dia da minha visita, o primeiro andar da Bienal mais parecia uma filial do Largo da Concórdia no quesito decibéis, uma enorme quantidade de pequeninos - e de nem tão pequeninos assim - fazia a maior algazarra em seus grupos escolares, botando a prova toda a paciência, didática e, sobretudo, pregas vocais dos simpáticos educadores de colete verde responsáveis por guiá-los no mundo de obras ali expostas. Uma delas já se mostrava um verdeiro hit entre a criançada, um série de totens, com cabeças de animais gigantes, dispostas em círculo, logo na entrada.

A cada passo uma sensação crescente que, ao longo dos três andares, se tornaria uma certeza: esta é a Bienal do Vídeo! São muitas, mas muitas obras que se utilizam do suporte audiovisual, arrisco dizer que, ao menos, metade delas. Lá pelas tantas comecei a ter
deja vu feelings com o combo "sala escura + vídeo/projeção". Alguns, sim, muito bacanas como o que projeta em todas as paredes imagens de pedintes a encarar o espectador, tão hipnótico quanto desconfortável, me pareceu adequado e relevante. Ou a animação alegórica sobre a guerra entre EUA e o mundo árabe (longo, mas interessante). Já outros, mais pareciam exercícios de curso de vídeo e me faziam perguntar, do fundo do meu coração, se não seria, no mínimo, um desperdício de madeira e tinta preta construir uma sala enorme no pavilhão para exibir aquilo...

Pedintes projetados por todos cantos, desconfortável e hipnótico.


Sinal evidente dos tempos, é natural que caminhemos para uma arte cada vez mais digital, me pergunto se, daqui a 10,15 anos, haverá ao menos meia dúzia de obras "tradicionais", como pinturas 2D ou esculturas feitas apenas para serem observadas... Se bem que o público brasileiro parece adorar uma instalação! Tem lá um treco meio estranho com portinhas, escadinhas, um buraco para se colocar a cabeça e observar, um pano para balançar e forma-se uma baita fila. Por mais que às vezes se saia da interação com o objeto de arte com aquela cara de "ah, era isso?", o público parece se divertir horrores. Se procura refletir sobre o que aquilo significa, aí já é outra história. Que o diga a instalação que simula - por meio de túneis feitos em madeira - a experiência de entrar numa vagina, sucesso de público! Nenhum Hopi Hari faria melhor.
E por falar em sucesso, claro que estava curisíssima para ver as duas obras que ganharam páginas e páginas de jornais e sites por tomarem parte, involutariamente, de polêmicas. A série de desenhos de Gil Vicente, em que o autor se auto-retrata executando friamente figuras públicas e a construção que abriga três urubus vivos.
Em relação a primeira, tenho a dizer que os desenhos são incríveis e super expressivos, emanam violência, sim, mas obviamente não são capazes de gerá-la. Quanto a segunda, lamento pelos bichinhos terem que ficar ali, naquela monotonia por tanto tempo, mas não creio que estejam sofrendo nenhum mal além do tédio. Uma coisa é certa, não fosse por eles, a obra não chamaria a menor atenção apesar das proporções gigantescas, ao contrário dos desenhos de Gil que, seguramente, teriam algum destaque independentemente da OAB.


Casa dos livros. Labirinto que conduz a grandes obras e personagens da cultura.

Meus outros destaques positivos vão para a série de fotografias inspiradas na obra de Paulo Freire; para a casa dos livros; para o vídeo sobre o lutador drag e para o piano emudecido pela cera. Já o troféu Oh, Céus, Quanta Pretensão! vai para uma escavação que, tudo indica, custou mais de R$ 30 000,00 e gerou um monte de terra que poderia ter sido tirada da obra aqui ao lado.
Não consegui ver tudo, uma vez que sou do tipo que assiste os vídeos até o fim (coisa rara, rsrs), cheguei ao terceiro andar, além de cansada, atrasada para outro compromisso.
Fica a dica, se você quer mesmo ver todas as obras com um pouco mais de atenção, não tem jeito, terá que fazer duas visitas. Os curadores que não me ouçam, mas acho que a quantidade de obras poderia ser bastante reduzida, sem prejuízo algum da proposta do evento de reforçar o caráter de ligação intrínseca entre arte e política.
Então vocês me perguntam, tá, mas você recomenda? Respondo: sim.Talvez você goste, talvez você odeie e sinta vontade de atear fogo ao prédio, mas, no fim das contas, este é justamente o papel de qualquer evento de arte, tirar o cidadão do sofá, suscitar emoções, provocar as idéias, chacoalhar o previsível, o legislado, o confortável.
Além do mais, se vocês não forem, com que vou poder comentar sobre o javali voador do 14 Bis?! É, pois é...




Facilitando a sua vida:

29° Bienal

Pavilhão da Bienal - Parque do Ibirapuera - Portão 03

De 2ª a 4ª feira das 9 às 19h
5ª e 6ª feira das 9 às 22h
Sábado e domingo das 9 às 19h
Entrada admitida até uma hora antes do fechamento
Até 21/12
Entrada Gratuita












Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Criando Filhos - Parte II

No texto anterior fornecemos algumas dicas simples e preciosas para mães preocupadas com o futuro de seus rebentos. Mostramos como, já a partir da primeira infância, devemos direcionar meninos e meninas no caminho de uma idade adulta próspera e feliz. Hoje abordaremos os procedimentos a serem adotados naquela que talvez seja a fase decisiva para definir se seus filhos serão ou não loosers: a adolescência. Dos 12 aos 15 anos: Seus filhos já não são mais crianças e começam a delinear uma personalidade. É o momento em que começam a manifestar vontades próprias disto e daquilo, a reinvindicar o direito de escolha sobre o que vestir, o que comer, aonde ir, etc. Atenção, é preciso usar muita estratégia nesta fase, sob o risco de botar todo o esforço feito até aqui a perder!! Você, evidentemente, não pode deixar que seus filhos façam tudo o que quiserem, todavia, se proibir tudo de forma autoritária, o feitiço pode virar contra o feiticeiro e, revoltados, eles podem fazer tudo de pior só par...

Um case imobiliário ou De como todo mundo mora "bem" e eu também quero morar.

Olá inúmeros! Não sei quanto a vocês, mas tenho notado algo muito interessante em todos os eventos dos quais participo nesta nossa gloriosa cidade de São Paulo, sejam eles artísticos, modísticos, baladísticos, gastronômicos ou esportivos. Todas as pessoas com quem converso moram em Pinheiros, Vila Madalena, Jardins, Perdizes ou - estourando - Pompéia. Fico pensando, se nossa cidade tem mais de onze milhões de habitantes e tá todo mundo concentrado nesses bairros, bem, é estranho que suas ruas não se assemelhem ao  mais clichê retrato de Bombaim! Também me pergunto de onde é toda aquela gente que congestiona as vias que ligam os outros bairros da cidade? E aquele povo todo espremido nos ônibus, metrôs e trens?  Seguramente são marcianos que, com a globalização atingindo níveis integalácticos, vêm diariamente trabalhar em São Paulo.  A questão é, trata-se somente de uma grande coincidência (as pessoas vivem nos referidos bairros mesmo, sim porque sim) ou você só é descol...

Isto não é um post

Queridos inúmeros. Isto não é um post formal.É só um desabafo que escrevo aqui para que vocês sejam testemunhas. Inúmeras testemunhas: Quero que um raio caia na minha cabeça e me tranforme num mico leão dourado vendido ilegalmente para uma família de esquimós sádicos se eu fizer isso de novo!! Obrigada pela atenção dispensada. Beijos a todos.