Vez por outra alguns sinais dos tempos hipermodernos me chamam especialmente a atenção em meio ao corre-corre diário (geralmente estes pensamentos me ocorrem nas horas mais impróprias para divagações, bom, mas isto é assunto para outro post).
Já notaram que, hoje em dia, as profissões tem que ter nome e sobrenome? Nesta selva que é o universo corporativo - em que cada vez mais todos precisam estar preparados para tudo ao mesmo tempo em que são super especializados e o marketing pessoal passou a ser necessidade básica desde a fase escolar - até o nome da sua profissão ou cargo já tem que impor respeito.
Reparem, antes existiam secretárias, caixas, vendedores, professores, publicitários, câmeras e era ok. Hoje em dia, isto parece soar pobre, sem conteúdo. Não sei quem foi o gênio do bussiness que em algum momento decidiu que as profissões, como eram, já não davam status. A partir de então a secretária viraria "assistente executiva", o caixa "operador de caixa", o vendedor "salesman", ou se for um pouco mais chic "analista de novos negócios", motoboy agora é "courrier" e por aí vai.
Até mesmo profissões do tipo clássicas, que existem desde a Idade Média tipo médico, advogado, marceneiro tem que ter um plus:
- Ah, ele é médico?
- Não, ele é ortopedista especializado em fraturas do dedo anular esquerdo. - - Putz, queria fazer uma mesinha de centro lá pra sala de casa.
- Nossa, tenho um designer de mobiliário em madeira fantástico para te indicar!.
Em alguns casos, descobrir a atividade do cidadão pode se tornar mesmo um grande desafio. À simples pergunta "você trabalha com que", feita numa mesa de bar pode trazer respostas como: "sou analista de captação externa para a América Latina" (oi?), ou "gerente de projetos". Hoje em dia todo mundo é gerente de projetos! Mas que projetos meu filho? Arquitetônicos? Projetos de Lei? Olha, difícil.
Me lembrei de um filme que muitos de vocês devem ter assistido, O Homem que Copiava, no qual Lázaro Ramos interpreta um rapaz que trabalha fazendo cópias numa papelaria, tirando o bom e velho "xerox". Ao conversar com garotas que queria impressionar, dizia ser "operador de fotocopiadora" numa tentativa de valorizar, até para si mesmo, a ocupação que considerava medíocre.
Só um profissional, em toda e qualquer empresa, continua incólume a esta onda. O estagiário. Este, sim, doido para ser logo denominado de outra coisa qualquer e deixar para trás o estigma de bode expiatório, continua forever and ever O es-ta-gi-á-rio.
Talvez no fundo, esta onda de profissões compostas seja mesmo uma maneira de tentarmos parecer ao mundo mais importantes do que nos consideramos ou, simplesmente, porque ele - o mundo - testa nossa capacidade de dar importância a nos mesmos até o limite e, neste teste, pouquíssima gente consegue passar.
Não creio que isto vá mudar, ao contrário, as profissões da molecada que está no ensino fundamental hoje deverão ter nome, sobrenome, pedigree e tradução simultânea em 03 idiomas. Não importam que sejam "apenas" bons eletricistas, fonoaudiólogos, costureiras ou engenheiros.
Imagem: Lari_oliveira
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